15 de junho de 2010

Coluna: Disco da semana


Barquinho


Gravadora: Columbia - 37161
Ano: 1961
Faixas:
1- O Barquinho (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal)
2- Você e Eu (Carlos Lyra / Vinicius de Moraes)
3- Dois meninos (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal)
4- Recado à Solidão (Chico Feitosa)
5- Depois do Amor (Normando / Ronaldo Bôscoli)
6- Só Você (Mais Nada) (Paulo Soledade)
7- Maysa (Luíz Eça / Ronaldo Bôscoli)
8- Errinho à Toa (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal)
9- Lágrima Primeira (Ronaldo Bôscoli / Roberto Menescal)
10- Eu e o Meu Coração (Antônio Botelho / Inaldo Villarin)
11- Cala Meu Amor (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
12- Melancolia (Luíz Eça / Ronaldo Bôscoli)

Análise:
Quando Barquinho foi lançado no segundo semestre de 1961, o impacto foi imediato diante do público e da crítica, ninguém acreditava que aquela cantora, outrora, a rainha da fossa e musa absoluta do samba-canção apareceria ali naquele LP interpretando a ensolarada "O Barquinho" da dupla Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal. Música que acabaria dando título ao álbum no lugar do nome dantes escolhido, Maysa e a Nova Onda. Como esclarecimento, é necessário explicar que Maysa foi a primeira intérprete a gravar "O Barquinho", não Pery Ribeiro ou Nara Leão, a musa inspiradora original da canção. Com o fim do romance com Nara, Bôscoli se sentiu confortável para fazer dela, o carro-chefe do LP. 

Entretanto, engana-se quem pensa que foi simples a conversão oficial de Maysa à nova onda. A faixa título do álbum, teve de ser editada várias vezes, até que se obtivesse um ajuste satisfatório da voz de Maysa ao ritmo da bossa nova. Ela que estava acostumada ao tom passional das interpretações do samba-canção, custou a se adaptar ao balanço suave e descompromissado idealizado por Bôscoli. “Maysa, não é diá de luz, não existe diá, Maysa, é dia, entendeu? Dia! Dia! Dia! Para com esse negócio de diá de luz.” Esbravejava Ronaldo Bôscoli durante as gravações no estúdio.

Das doze faixas do disco, seis foram gravadas com orquestra e as outras seis apenas com a turma que acompanhara Maysa na Argentina (Luiz Carlos Vinhas, Roberto Menescal, Hélcio Milito, Bebeto e Luiz Eça). Para produzir os arranjos do disco, Bôscoli chamou Menescal e o pianista Luizinho Eça. Além de "O Barquinho", havia mais três faixas da dupla Bôscoli e Menescal, eram elas –  "Dois Meninos", "Errinho à Toa", e "Lágrima Primeira". Bôscoli também assinava mais três canções no LP, a primeira era uma parceria com Normando Santos, "Depois do Amor", uma espécie de samba-canção moderno e sensual que provocou rebuliço e acabou sendo barrado em muitas emissoras de rádio na época. Tudo por causa de um verso, aos nossos olhos atuais inocentes, mas, ousado demais para os padrões da época: “No seu corpo nu, existi".

Havia ainda mais duas faixas de autoria de Bôscoli no LP, ambas em parceria com Luizinho Eça, eram duas "homenagens" à Maysa - "Melancolia" e uma outra homenagem explícita à intérprete do disco, intitulada justamente "Maysa": “Pra te achar eu perdi minha paz, mas te achar foi achar-me demais”. Além de uma confissão clara de amor, naquele último versinho ele fazia troça com o fato de Maysa o considerar o “rei do charme.” Bossa nova também era a ginga de "Recado à Solidão" de Francisco Feitosa, o “Chico fim de noite”, ex-secretário de Vinicius de Moraes; e por falar nele, seu nome não poderia ficar de fora de um disco que justamente representava a entrada oficial de Maysa no movimento, dele haviam "Você e Eu", parceria com Carlinhos Lyra e "Cala Meu Amor", composta com Tom Jobim.

No disco havia também “Eu e o Meu Coração” de Antônio Botelho e Inaldo Villarin e "Só Você" (Mais Nada) de Paulinho Soledade - um bolero provocante relido pela ótica bossa-novista. Na capa do LP, pela primeira vez Maysa dividia o espaço com mais alguém. Na imagem, lá estava ela acompanhada da turma, a bordo de um barquinho, no fundo, via-se presença do Pão de Açúcar, sentado sobre a enseada de Botafogo. Era uma capa colorida e ensolarada, cheia de luz, muito bonita, diferente dos primeiros trabalhos sempre muito clássicos. Na contracapa, vinha um texto de Bôscoli: “A técnica vocal de Maysa atinge aqui seu definitivo esplendor. Vocês descobrirão em cada faixa desta gravação a terceira dimensão de Maysa.” Ao lado, algumas linhas assinadas pela cantora, que julgava aquele, ser o melhor LP de sua carreira: “Não abandonei minha característica romântica, mas procurei acrescentar a ela um toque absolutamente moderno, Barquinho, certamente os levará a mares nunca dantes navegados, velejemos comigo na nova onda.” Na época, parcela considerável da crítica preferiu torpedear o barquinho de Maysa e seus fãs mais conservadores iriam acusa-la de ter subido a bordo não de um barquinho, mas sim, de uma bela canoa furada.

De fato, não era um disco ruim, não mesmo, pelo contrário, os arranjos lhe conferiam uma sonoridade moderna e sofisticada. Porém, grande parte da crítica não entendia, muito menos aceitava a incursão da tão tradicional rainha da fossa pela inovadora e moderna bossa nova. Buscando atualizar o seu trabalho, Maysa encontrou problemas e críticas ferozes. Torpedeada pela mídia e acusada por todos os lados, somando a má recepção do disco, a Columbia em poucos meses desistiu da divulgação e distribuição do LP, retirando-o de catálogo pouco tempo depois. O disco gravado em regime de freelancer, acabou sofrendo todas as consequências das críticas da incursão de Maysa pela nova onda. Era um LP histórico, uns dos primeiros e mais famosos discos de bossa nova já gravado no Brasil.

Mas não era somente a ala mais conservadora à criticar Maysa, até bossa-novistas clássicos como Carlinhos Lyra julgava um erro sua incursão pelo movimento. Ainda havia quem acusassem-na de oportunismo, de querer pegar carona em um movimento jovem que não tinha espaço para sobreviventes de uma era que ficará para trás. Julgavam-na de aproveitadora por querer embarcar em uma nova onda, só para se salvar do ostracismo abissal a que estavam relegadas as estrelas da era do rádio. Com tudo isso, Maysa acabou sendo relegada à segundo plano e praticamente esquecida dentro do movimento da bossa nova, sendo sua maior injustiçada. Seu nome seria poucas vezes e injustamente lembrado, como se ela fosse uma aventureira, endossando as críticas da época. Não aceitavam que a musa absoluta do samba-canção fosse também uma das pioneiras da bossa nova.

Barquinho, vale e muito a pena. Foi relançado em CD remasterizado, com capa original pela Columbia / Sony BMG em 2003.

3 comentários:

  1. É uma pena que em todas as reedições em Cd deste histórico disco, tenha sido utilizada a versão mono. Sim, porque este disco foi gravado em legítimo som estereofônico, como prova a cópia que tenho em minha coleção.

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  2. Reforçamos seu comentário em gênero, número e grau...A qualidade do som estéreo é infinitamente superior ás versões em som mono. Eu mesmo possuo as duas versões em disco deste LP, mono e estéreo.

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  3. Quando vamos ter a oportunidade de escutar essa obra-prima em puríssimo som estéreo?? até quando vamos ter que esperar?!?

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