5 de maio de 2014

Imprensa: Maysa (que não é mais Matarazzo) trocou André pelo samba - Revista da Semana, 09/11/1957


Maysa (que não é mais Matarazzo) trocou André pelo samba



Um desquite que não abalou em nada o prestígio de uma das melhores cantoras brasileiras – continua sendo “gente bem”, cantando bem e frequentando a sociedade – só uma coisa não trocaria pela carreira: seu filho

Texto de JEANETTE ABIB

Desde menina Maysa preferia Noel Rosa a Chopin, a batida do samba aos compassos do “ballet”. Uma vocação artística que não encontra barreiras para se realizar

Os parentes conservadores de Maysa, começaram a se escandalizar quando, com apenas 13 anos, ela trocava o “ballet” e a música clássica pelos sambas de Noel Rosa e Ary Barroso. Revelando-se compositora de música popular, compôs o primeiro samba-canção: “Adeus”, causando decepções sempre que se recusava a assistir uma ópera para ficar ouvindo batucada na voz de algum de seus sambistas prediletos. Sua leitura constante era a poesia e os autores Manuel Bandeira e Vinicius de Morais.

Uma “cantora-bem” revelada entre “gente-bem”

Acompanhando-se ao violão, Maysa começou a cantar em festas de sociedade, interpretando páginas da música popular brasileira, constituídas, na maioria, de composições de sua autoria. Os mais severos repeliam-na, aconselhando-a a se interessar pela música clássica – gênero adequado à sua posição social. Mas a arte superava qualquer argumento – e já não lhe importavam as aparências, os comentários – queria satisfazer o seu “eu” – libertando-se das correntes que dominavam-lhe a vontade e os impulsos. Queria ser cantora.

Como se apaixonou pelo filho do conde Matarazzo

Ainda menina, Maysa revelou sua primeira paixão por um amigo da família – o filho do conde André Matarazzo. A inconveniência da pouca idade de Maysa era ressaltada por sua mãe – d. Iná. O romance foi alimentado durante três anos até que a jovem se transformou numa das mais bonitas moças da sociedade paulistana, e culminou com um casamento pomposo. Após a viagem de lua de mel nos Estados Unidos, o casal passou a circular com intensidade na vida social de São Paulo e Maysa deixou-se contagiar pela vontade firme de ser cantora profissional. Iniciou uma série de recitais com fins filantrópicos e mostrou que podia ir além – muito além.

Surge a cantora-milionária

Uma noite de exibição na boate Cave – em benefício do Hospital Central do Câncer foi o bastante para que o nome de Maysa Matarazzo ocupasse páginas de revistas e jornais de São Paulo e desta capital – na mais franca repercussão que abalou sobremaneira alguns membros das famílias Monjardim e Matarazzo. As propostas iniciais para rádio e TV foram recusadas. Havia a natural curiosidade do público em ver e ouvir a cantora-milionária de voz rouca, cantando com um estilo todo seu. Ela apenas concordou em gravar suas próprias músicas, doando os lucros a associações beneficentes. Grande sucesso em seu primeiro disco, que lhe proporcionou o título de “a maior revelação feminina de 1956”, na escolha anual dos cronistas de rádio de São Paulo – para eleger as melhores do ano.
O interesse das emissoras de rádio e TV da paulicéia cresceu – tendo sido, por várias vezes, anunciado seu ingresso no setor artístico. Vinham os desmentidos: nada ficara positivado. Com o nascimento do primeiro filho do casal – (Jaiminho) – Maysa abandonou temporariamente a ideia de se dedicar à vida artística. Passados os primeiros meses da maternidade, voltou com sua voz a contribuir para o brilhantismo das reuniões sociais. Aquilo, porém, não era o suficiente. Ela queria cantar para milhares de pessoas e sentir as emoções que o sucesso proporciona. Estava disposta a cumprir seu intento, e rompendo a barreira da oposição, Maysa assinou o primeiro contrato para atuar na rádio e televisão Record, doendo seus proventos a associações de caridade.

Andrézinho concordou, depois arrependeu-se

Um tanto inconformado, André Matarazzo consentiu que a esposa atuasse algumas vezes na televisão. Pouco tempo durou o acordo. Surgiram as incompatibilidades oriundas das atividades artísticas da “cantora-bem”. Seu marido criou uma série de obstáculos ao prosseguimento de sua carreira de cantora – já então em grande evidencia. A solução para o caso parecia impossível para ambos, de vez que Maysa mantinha irredutível, seu firme propósito de não abandonar o rádio e a televisão. A moça lançou mão do desquite – que na primeira tentativa não chegou a ser homologado graças a intervenção das famílias Matarazzo e Monjardim, fazendo-a retroceder no seu intento. Veio a reconciliação e quando a serenidade parecia ter voltado à vida do casal, novas rusgas deram margem a que a cantora apelasse pela segunda vez para o desquite, fazendo constar no seu pedido de anulação de casamento: “incompatibilidade de gênios”. Outra intervenção das duas famílias, e conselhos de d. Iná fizeram com que Maysa e André chegassem novamente a reconciliação. De parte a parte, houve promessas no sentido de reatarem o amor que parecia estar perdido para sempre, sem que Maysa abrisse mão de sua carreira. Poucos dias depois, a situação se agravou novamente. André não se conformava com o fato da esposa ter ampliado suas atividades artísticas – vindo a fazer, também, televisão no Rio – e essas viagens semanais, desgostaram-no. Decidiram reiniciar a ação de desquite – já agora convencidos de que não existe uma fórmula conciliatória capaz de uni-los noutra tentativa de felicidade.

Maysa fixa residência no Rio

Enquanto aguarda os termos finais do desquite, Maysa fixou residência no Rio – Avenida Atlântica, trazendo Jaiminho – seu filho.
Maysa nega-se a fazer declarações à imprensa, seguindo, talvez, determinações de seu advogado, pelo menos enquanto não estiver concluída a ação de desquite. Mesmo assim, conseguimos obter algumas palavras da cantora.
-         Arrependida, Maysa?
-         Por que? Fiz as pazes várias vezes e não deu certo. Eu preferia não falar neste assunto...
-         É verdade que, depois que você entrou para o rádio e televisão, já não se sente tão à vontade nas reuniões do “high society”?
-         Eu me sinto bem em qualquer meio e não tenho nenhuma restrição a fazer. Pelo contrário...
-         Porque desistiu de atuar na TV Rio?
-         Eu não desisti. Apenas meu marido resolveu cancelar meu contrato.
-         Sobre seu filho, André se opôs que ele ficasse em sua companhia?
-         O que importa é que meu filhinho ficará comigo. Gostaria de não abordar este assunto.
-         Na sua opinião, o casamento é um estorvo na vida de uma cantora?
-         Não... absolutamente! Pode haver perfeitamente uma compreensão entre marido e mulher – tudo dependendo de boa vontade. Em caso contrário, quando os pontos de vista divergem, não há possibilidade de dar certo.
-         Você receia os comentários “gente-bem”, sobre os motivos que determinaram seu desquite?
-         Nada tenho a recear.
-         Porque veio morar no Rio?
-         Acho o mar uma coisa impressionante, e só gosto das praias cariocas – as mais belas do mundo. Adoro esta cidade onde nasci!
-         Como cantora, você encontrou afinal o grande ideal de sua vida?
-         Sim. Gosto demais de cantar. Mas o meu grande ideal era ter o garoto que tenho – que por sinal, está comigo e se divertindo a valer.
-         Como costuma compor suas músicas?
-         Na base da inspiração. Eu componho desde os 13 anos de idade. A minha primeira música foi o samba-canção Adeus.
-         Depois do desquite continuará usando o mesmo nome artístico?
-         Usarei apenas Maysa.
-         E continuará doando seus proventos no rádio e na TV para associações de caridade?
-         Não tudo, pelo menos uma parcela.
-         Você não trocaria nada pela sua carreira?
-         Isto depende muito do futuro...
-         Prefere o meio social ou artístico?
-         Prefiro o meio artístico.
-         Você acha o ambiente artístico de certa forma degenerado?
-         Não. Em todo ambiente há degeneração.
-         E a seu ver, uma mulher é capaz de se apaixonar mais de uma vez?
-         Perfeitamente. Quantas vezes for possível acontecer.
-         Prefere a franqueza ou gosta de contornar os assuntos acomodando-os da melhor maneira?
-         Franqueza, ao máximo!

Na boate Meia-Noite e uma viagem aos EUA

Desenvolvendo seu trabalho artístico, Maysa aderiu à vida noturna e está cantando na boate Meia-Noite de Copacabana. Em seus planos para o futuro entra uma viagem aos EUA, em janeiro próximo – onde fará curta temporada. Assim, Maysa, “née” Monjardim – dona de bonita voz – figura de destaque na sociedade bandeirante, trocou a tranquilidade de um lar fortalecido pelos milhões, pela glória de ser artista.





(Reportagem publicada no nº 45 da REVISTA DA SEMANA, em 9 de novembro de 1957)

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